Iconografia PACENSE (publicado no Diário do Alentejo, 2010)
Vãos mudéjares de Moura e Beja
Remonta à antiguidade pré-romana a ocupação e mais que provável
fortificação da cidade de Moura. As prospecções arqueológicas realizadas nos
últimos dois decénios não deixam qualquer dúvida sobre a permanência dos povos
da Idade do Ferro e o evoluir da sua história através da romanização,
cristianização e islamização, até integrar o território português no primeiro
terço do século XIII.
Contudo, apesar da história da evolução urbana de Moura constituir tema
interessante a desenvolver, pela rapidez com que ultrapassou os muros
medievais, vindo mais tarde a exigir uma fortificação abaluartada de muito
maior perímetro que defendesse a vila extramuros, não é esse o propósito deste
artigo.
Em 1562, no reinado de D. João III, D. Ângela de Moura fundou um convento
feminino da Ordem Dominicana, sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção, no
interior das muralhas medievais sobre as fundações da mesquita a que se
sobrepusera a primeira igreja matriz. Rasgando uma das paredes mais antigas,
possivelmente reaproveitada na construção deste convento, vimos, em 1982, um
vão de portal, aparentemente ogival, integrado num alfiz (moldura rectangular
que costuma envolver nos edifícios islâmicos um vão de porta ou janela) construído
em tijolo e ainda com vestígios de aplicação azulejar, talvez hispano-mourisca
(ver reprodução fotográfica). No passado ano, revisitámos o local mas o portal
tinha desaparecido. Deve ter sido destruído, total ou parcialmente, pela
derrocada da parede que o integrava e assim se perdeu mais uma parcela da arte
mudéjar, testemunho da continuidade da presença muçulmana em território
cristão.
Por outro lado, em Beja, durante o ano findo, também se descobriu na
parede exterior de uma casa da Rua Manoel Homem, a primeira logo à direita e no
sentido descendente, transversal à Rua Dr. Aresta Branco, um portal do mesmo
género, talvez mais recente do que o de Moura, contudo ainda do final do século
XV ou do início do seguinte, também construído em tijolo. Porém , foi
interpretado como um vão de janela e a profundidade do alfiz que emoldurava o
arco quebrado encheu-se com argamassa até não se distinguir mais do plano da
parede. Nesta reabilitação ou recuperação patrimonial só o arco de tijolo ficou
à vista. Enfim, palavras para quê?
A maioria das construções islâmicas desapareceram, foram arrasadas, mas
subsistiu o gosto pela sua arte e a sua influência, através do mudejarismo,
chegou a todo o género de edifícios que fossem religiosos, militares reais ou
civis. A torre de menagem de Beja é um dos melhores e mais completos exemplos
da conjugação medieval entre as arquitecturas gótica e muçulmana. Quase todos
os seus portais se abrem num alfiz, além da característica janela com arco de
ferradura que espreita a alcáçova sob o machicoullis (balcão saliente que
envolve a torre servindo de caminho de ronda entre as segunda e a terceira
salas); no interior do primeiro piso a abobada oitavada de fecho único irradia
as nervuras até às trompas que permitem a reconfiguração da planta quadrangular
da sala, enquanto três “mísulas”, destinadas provavelmente a suportar a
iluminação, são decoradas por pequenos alvéolos sobrepostos alternadamente.
Outros pormenores arquitectónicos da cidade de Beja, como os botaréus, coruchéus
cónicos e merlões chanfrados, da ermida de Santo André e da galilé da igreja de
Santa Maria, além de algumas das abóbadas de aresta, denunciam a persistência e
a importância da arte mudéjar nos séculos XIV e XV.
As imagens documentam o que descrevemos.
Leonel Borrela
Nota: Após a publicação deste artigo, voltámos Moura para revisitar o local onde se encontrava o portal, e, entretanto, como ninguém de Moura ou responsável pela prospecção e salvaguarda do seu património comentou o nosso artigo, como já é costume e não só em Moura, corrigimos aqui o que afirmámos quanto à sua hipotética destruição. De facto, parece que o dito portal estará parcialmente preservado, pela justaposição de uma estrutura adequada. Pouco mais podemos dizer. Contudo, embora reconheça a super-ocupação de quem nos poderia esclarecer, está visto que não é hábito o diálogo público de questões desta natureza, normalmente tratadas por carta, entre amigos, ou em colóquios afins. Esperávamos que a Iconografia Pacense, com mais de duzentos artigos, muitos deles inéditos, publicados no jornal Diário do Alentejo - com grande esforço pessoal e sacrifício familiar - entre 1995 e 2012, constituísse um contributo valioso para o estudo e a divulgação do nosso património cultural e não um empecilho, aparentemente, é o que vemos, desvalorizado, esvaziado de qualquer interesse. LB
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